quarta-feira, junho 14, 2006

De como o Brasil trata a ciência e a tecnologia, 2ª Parte: Sir Peter Brian Medawar

Sir Peter Brian Medawar, ao contrário de outros brasileiros de sucesso que fixaram residência no exterior, é pouco conhecido de nós. Medawar, nome estranho ao ouvido brasileiro, mas não mais estranho do que Karl Rischbieter e outros tantos, nasceu em Petrópolis, em 1915, filho de mãe inglesa e pai libanês naturalizado inglês.

Por volta de 1925, talvez pudéssemos encontrar o pequeno Peter chutando uma bola ou outra, como tantos outros guris brasileiros, e correndo pelas ruas do Rio de Janeiro, onde seu pai havia aberto a "Ótica Inglesa", que existe até hoje. Mas havia uma pequena diferença: Peter era tão bom aluno que, aos 14 anos, seus pais resolveram enviá-lo à Inglaterra, para que tivesse acesso a melhores condições de ensino.

Na Inglaterra, Medawar completou seus estudos no Marlborough College e na Universidade de Oxford, no Magdalen College, formando-se em zoologia em 1932. Educação de primeira nas melhores escolas do mundo.

Pouco depois, Medawar começou a se interessar por medicina e biologia, mas foi chamado pela pátria, o Brasil, para prestar o serviço militar obrigatório. Os pais de Medawar procuraram então o Ministério da Aeronáutica e pediram dispensa, explicando que o filho estudava no exterior. O pedido foi negado. Não tendo outra alternativa, Peter Medawar abriu mão da cidadania brasileira e abraçou a inglesa, preferindo as pesquisas científicas às atividades militares em um país imerso em revoluções. A biografia oficial de Medawar não menciona esse singelo acontecimento, mas vai logo ao que interessa: as pesquisas de Medawar sobre transplantes de tecidos vivos.

Por volta de 1949, as pesquisas sobre rejeição de transplantes já estavam bastante avançadas, tendo-se descoberto que, em determinadas situações, uma certa "força biológica" inibia a rejeição. Trabalhando com Frank Burnet, 16 anos mais velho, Medawar descobriu que a inibição se devia à ação de certos anticorpos, e ambos desenvolveram a teoria da Tolerância Imunológica Adquirida.

O trabalho de Medawar e Burnet possibilitou o desenvolvimento dos transplantes modernos, que hoje salvam milhares de vidas. Em decorrência desse trabalho, Medawar foi eleito Fellow of the Royal Society (FRS) com a idade de apenas 34 anos. Em 1960, ele e Burnet foram agraciados com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia.

Medawar foi um cientista de grande originalidade, tendo recebido praticamente todas as honras possíveis do mundo científico. Além do Nobel e do FRS, ele foi escolhido Companion of Honour (1972), Member of the Order of Merit (1981) e foi o primeiro presidente da Sociedade Internacional de Transplantes. Em 1965, Medawar foi condecorado cavaleiro pela rainha Elisabeth, tornando-se Sir Peter Brian Medawar.

Alguém poderia argumentar que não temos nada com isso, já que Medawar não era filho de brasileiros. Contudo, por um lado, não é esse o caso de todos nós? Por outro lado, Jean Piaget argumentava que todas as estruturas mentais de um indivíduo são formadas até os 14 ou 15 anos de idade. Assim, o cérebro de Medawar foi integralmente formado em território brasileiro. E nós o chutamos fora.

Medawar morreu em 1987 e seus pais permaneceram no Brasil, país que só se deu conta da existência de Medawar em 2001, quando a Fundação Cultural de Petrópolis inaugurou uma placa nos jardins do Palácio Itaboraí, sede da Fiocruz. Imagino que tenham havido protestos dos habitantes por se desperdiçar dinheiro público com homenagens a um estrangeiro...

E essa é a história de como o Brasil perdeu seu primeiro Nobel!

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Posfácio: muito tempo depois de ter escrito este post, fiquei sabendo que Sir Peter Medawar é nosso segundo Nobel perdido. O primeiro é Carlos Chagas. Mais detalhes em http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2012/09/o-nobel-brasileiro.html

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