terça-feira, abril 29, 2008

Chuva, trânsito ruim e contingências múltiplas

O trânsito em Curitiba está cada vez pior, como pode atestar facilmente qualquer um que tenha caído por esses lados nos últimos meses. Mas, com uma ajudinha do tempo e do governo, em qualquer de suas esferas, não há nada tão ruim que não possa ser piorado.

Na última segunda-feira, 28 de abril, o tempo ofereceu sua módica contribuição ao despejar, em um único dia, 70% da precipitação mensal esperada. Desse percentual, pelo menos um quarto deve ter caído entre as 18 e as 19 horas, quando eu estava no trânsito, a caminho das minhas aulas de segunda-feira.

Meu trajeto era simples: eu deveria sair da Av. Sete de Setembro, n° 4476, e ir até o n° 3165 da mesma avenida, onde fica a UTFPR. São apenas nove quadras, que, em dia de sol, podem ser percorridas em menos de quinze minutos de caminhada. Único problema para quem vai de carro: a Sete de Setembro é uma das famosas avenidas cortadas por aquelas abiloladas canaletas dos ônibus expressos, as quais já foram símbolo de arrojo, desenvolvimento e planejamento urbano, mas que hoje nada mais são do que um empecilho ao tráfego.

Por causa da canaleta, a solução ideal de virar à esquerda, indicada até mesmo pelo Google Maps (cujos idealizadores não têm idéia do que se passa na mente criativa dos planejadores urbanos) é impossível. Então, tive de virar à direita, dar uma volta inteira na quadra, com o céu desabando sobre mim, e finalmente tomar a Av. Silva Jardim, paralela à Sete, que deveria me levar rapidamente à UTFPR. O Google Maps, otimista, indica que o percurso pode ser feito em três minutos, mas, mesmo em condições normais de temperatura, pressão e precipitação ("CNTPP"), isso levaria dez minutos.

Os curitibanos estão acostumados a dar essas voltas na quadra, a ponto de já tê-las incorporado ao estilo de vida. Deve ser como desviar de balas perdidas no Rio de Janeiro ou ser empurrado para dentro de um vagão do metrô de Tóquio. O problema é que as condições estavam longe das "CNTPP". A chuva aumentou e, com ela, o congestionamento. Depois de ouvir três canções do McCartney sem ter me movido mais de duas quadras ao longo da Silva, cheguei à conclusão de que iria me atrasar pelo menos cinco minutos para a minha aula. Tudo bem. Caso necessário, meus valorosos alunos seriam capazes de esperar até o dobro desse tempo, embora não muito mais do que isso. Mas a chuva intensa foi apenas a primeira contingência.

Em dada altura, faltava apenas uma quadra para que eu pudesse virar à esquerda na Marechal Floriano Peixoto, andar mais uma quadra, tomar finalmente a Sete de Setembro e deixar o carro no estacionamento de sempre. Então, eis que aparece à minha frente aquela praga tão presente em temporais curitibanos: o carro quebrado! Lá estava ele, com seus pisca-alerta reluzentes, movendo-se a 0,01 quilômetros por hora e bloqueando metade da rua. A cada piscadela, as luzes dessa segunda contingência anunciavam que meu tempo não valia nada. Nesse momento, a chuva atingiu aquela intensidade da qual nem mesmo a limpador de parabrisa mais veloz consegue dar conta. Com algum esforço, um pouco de sorte e visão quase nula, consegui desviar do carro quebrado. Mais um pouco de sorte e eu conseguiria deixar o carro no estacionamento, atravessar a rua a pé e chegar à sala de aula levemente atrasado e apenas um pouco encharcado. A prefeitura de Curitiba, todavia, sempre reserva uma surpresa ou duas aos incautos.

Ocorre que a Marechal Floriano é mais uma dessas ruas anacrônicas com canaletas de ônibus expresso. Para piorar, por razões que ninguém conhece ao certo, a prefeitura resolveu esburacá-la ao longo de várias quadras, inclusive a quadra que eu precisava usar. Os planejadores chamam os buracos de “obras de melhoria”. Assim, aparentemente para proteger a integridade das obras, a URBS, empresa de urbanização de Curitiba, posicionou um nobre guardinha na esquina, cuja função era impedir que os veículos normais entrassem na Marechal, e que ajudava a tornar mais miserável o trânsito daquele entardecer chuvoso em Curitiba.

O trecho que eu precisava percorrer, embora esburacado aqui e lá, era totalmente trafegável, como ficará evidente em mais um ou dois parágrafos. Tentei argumentar com o guardinha, que se mostrou irredutível. Eu disse que só precisava deixar o carro no estacionamento da quadra de cima, e que já estava atrasado para a aula, mas ele disse que ninguém a não ser os ônibus podiam passar. Eu disse que eles estavam de brincadeira comigo, e ele respondeu: “Aqui não tem ninguém brincando, não”. Não adiantava espernear, não adiantava brigar, não havia a quem recorrer. Quando se depara com a autoridade constituída, o cidadão pagador de impostos só tem a lamentar.

Resignado com essa derradeira contingência, e quase perdendo a primeira das cinco aulas da noite, não me restava outra alternativa a não ser percorrer mais quatro quadras Silva Jardim abaixo, fazer o contorno à esquerda e retornar pela Sete de Setembro, percorrendo as mesmas quatro quadras no sentido inverso. Esperançoso, imaginei que eu ainda conseguiria chegar à sala de aula apenas vinte minutos atrasado, a tempo de pegar um aluno ou outro que não tivesse conseguido escapar.

Muitas canções do McCartney depois, consegui chegar ao cruzamento da Sete com a Marechal. Eram 19h, mas havia mais uma surpresa: o trânsito da Marechal havia agora sido liberado a todos! Tudo indica que, no tempo que eu levei para dar aquela volta toda, o expediente diário do guardinha havia se encerrado, ele havia batido o cartão-ponto, liberado a pista e ido embora sem maior peso na consciência. Aquele trecho que, quinze minutos antes, “sem brincadeira”, era proibido ao tráfego, agora estava totalmente liberado a veículos de qualquer natureza!

Deixei o carro no estacionamento e, como a chuva já havia miraculosamente amenizado e minha primeira aula já havia definitivamente ido para as cucuias, resolvi andar até o lugar onde o guardinha deveria estar, só para confirmar o paradeiro do sujeito. De fato, ele havia ido embora, levando consigo a capa de chuva e a cara-de-pau. No fim, fiquei até com pena dele. Afinal, como os nazistas em Auschwitz, ele estava apenas cumprindo ordens.

Desnecessário dizer que meus alunos já haviam sumido há tempos e não mais retornaram. Segundo a assistente de ensino, eles nem mesmo esperaram pela dispensa oficial e simplesmente pegaram o caminho da rua. Talvez tenham ido encontrar o guardinha da URBS em um bar qualquer das imediações, onde teceram planos para me fazer atrasar também na próxima segunda-feira. Afinal, em tempos de contingências múltiplas, nunca se sabe.

quarta-feira, abril 16, 2008

(Des)Atendimento ao Cliente *

Por Leandro Vieira**

Domingo à tarde, nada melhor que passear com a família no shopping. Lá estava eu, olhando as vitrines, completamente de bobeira e sem compromisso. Entro na livraria – meu destino favorito – e paro, primeiramente, na seção de revistas. Em menos de dez segundos, uma atendente me aborda com um grande sorriso nos dentes: “Boa tarde, senhor! Está procurando alguma coisa específica?”. Educadamente, respondi com o tradicional “estou apenas olhando, obrigado”. A atendente se coloca à disposição e me entrega uma fichinha com o seu nome e um código, algo de extremo mau gosto (a moda nessa livraria é entregar essas fichas para que as vendas sejam computadas ao atendente, independente dele prestar um atendimento ao cliente ou não).

Seleciono três revistas, e me dirijo à seção de livros de negócios. Ao me ver, a mesma atendente me aborda novamente: “chegaram muitas novidades essa semana! Está procurando algum título específico?”. Começo a pensar que ela é dotada de algum tipo de radar, ou sensor de movimento. Dispenso outra vez a sua ajuda com a mesma cordialidade, e inicio a leitura da contra-capa de um livro de marketing. “Quer uma cestinha pra colocar as revistas?”, quase grita no meu pé do ouvido, sempre sorrindo. “Isso não pode estar acontecendo”, penso eu. Mais uma vez, agradeço a atendente, e me dirijo ao fundo da livraria, com a intenção de me esconder e poder ler em paz a sinopse do livro. “Agora eu me livro dela”, falo com os meus botões.

Encontro uma confortável cadeira, sento-me e cruzo as pernas. Acho fantástico esse ambiente que as livrarias modernas inventaram para nos deixar bastante à vontade. O livro de marketing não era lá essas coisas. Começo a folhear as páginas de um almanaque dos anos 80 que alguém havia deixado na mesa à minha frente. Que interessante! Tinha o Bozo, o Ploc Monster, a Turma do Balão Mágico... “O SENHOR JÁ VIU O ALMANAQUE DOS ANOS 70?”, me desperta do transe nostálgico a maldita sorridente. “Não, obrigado!”, respondo já sem paciência.

Pior do que a falta de atenção ao cliente, só o excesso de atenção ao cliente. As empresas acreditam que impondo metas ou cotas de vendas a seus atendentes irão vender mais. Ledo engano. Fazendo isso, só conseguem transformá-los em chatos de galochas. É preciso deixar um espaço para os clientes respirarem. O processo de compra não é algo linear que começa com “Olá! Posso ajudá-lo?” e termina com “Muito obrigado e volte sempre!”. Envolve variáveis tão desconexas quanto lembrar da infância (eu estava quase comprando o almanaque dos anos 80!), ou imaginar o que a turma da faculdade vai achar do “meu novo computador”. Empresas, aprendam de uma vez: deixem seus clientes à vontade!

Fim da história: despistei a atendente sorridente, deixei as revistas e o almanaque dos anos 80 em uma prateleira e saí da loja de mãos abanando.

* Esse episódio é verídico e ocorreu em uma loja de uma grande rede nacional de livrarias, que recentemente foi comprada por outra rede maior ainda.

**Leandro Vieira é Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Administrador de Empresas pela UFPB e bacharel em Direito pelo UNIPÊ. Tem MBA em Marketing, pelo Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM) e Certificado em Empreendedorismo pela Harvard Business School. Foi professor da Escola de Administração da UFRGS. Criador e Editor do Portal http://www.administradores.com.br/.

sexta-feira, abril 11, 2008

O fim do mundo está próximo!

Acabo de tentar acessar o Google, como faço dezenas de vezes ao dia. Não consegui. Se alguém pensar que é mentira, é só dar uma olhada na figura ao lado (clique para aumentar), que mostra minhas tentativas de dar um "ping" em http://www.google.com/ . Também não consigo acessar via web.

Isso só pode significar uma coisa: o mundo está acabando!
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P.S.: aparentemente, o problema foi ocasionado por um defeito no link da Embratel. Assim, usuários que acessam a internet por outro link não foram prejudicados, pois o site do Google em si não foi atacado. Ainda não foi dessa vez.

quinta-feira, abril 10, 2008

O que querem os criacionistas?

Antigamente, lá pelos idos dos anos 20, os fundamentalistas cristãos, especialmente nos Estados Unidos, faziam oposição ferrenha à teoria da evolução, como sempre fizeram, mas não ofereciam uma teoria alternativa. Somente em 1929 o biólogo adventista Howard W. Clark propôs que a mera oposição não era suficiente e introduziu o termo “ciência do criacionismo”, que também ficou conhecida como “criacionismo científico”.

É claro que não basta anexar o adjetivo “científico” a uma disciplina para que esta se torne de fato científica, mas os criacionistas se aproveitam dessa confusão e usam o velho ditado “se nada como pato, voa como pato, grasna como pato, então só pode ser pato”. Da mesma forma, se você for um cientista profissional, falar como cientista, se comportar como cientista e usar termos científicos, então os desavisados tenderão a pensar que o assunto em discussão só pode ser científico.

É isso que acontece com o “design inteligente”, a mais nova dentre as cinco vertentes do criacionismo científico, surgida em 1989, com a publicação do livro “Of pandas and people”. Meu interesse pelo assunto (ou contra ele) foi renovado por causa do lançamento do documentário “Expelled: no intelligence allowed” (“Expulsos: nenhuma inteligência é permitida”), previsto para ocorrer no próximo dia 18. Em resumo, o filme, ao qual ainda não assisti e que é a mais nova frente de batalha dos criacionistas, afirma que os proponentes do design inteligente estão sendo perseguidos por causa de suas crenças de que existem indícios de “projeto inteligente” na natureza (daí o nome design, de vez em quando traduzido impropriamente como “desenho”).

Um dos principais conceitos da teoria do design inteligente é a “complexidade irredutível”. De acordo com Michael Behe, bioquímico norte-americano criador do conceito, um sistema é irredutivelmente complexo quando é formado por várias partes intercaladas e interdependentes, as quais contribuem para determinada função básica, e que param de funcionar quando ao menos uma das partes é removida.

Um exemplo citado por Behe é o de uma ratoeira: composta por várias partes interdependentes (mola, haste, lâmina, etc), a ratoeira não funciona se ao menos uma dessas partes for removida. Behe então prossegue afirmando que a natureza não seria capaz de criar sistemas irredutivelmente complexos, pois as várias partes interdependentes do sistema deveriam evoluir em conjunto, fenômeno que seria muito complicado e raro.

Exemplos biológicos de complexidade irredutível seriam o olho, o sistema imunológico e a cascata de coagulação sangüínea. A conclusão de Behe e de outros proponentes do design inteligente é que uma inteligência superior (não necessariamente Deus) seria a responsável pela criação da complexidade irredutível. Fora dos círculos criacionistas, todavia, nenhum cientista aceitou esse argumento e não há qualquer periódico científico “peer reviewed” que o defenda. Aliás, as idéias de Behe foram publicadas em um livro (“A caixa preta de Darwin”) e não em um periódico científico, como recomenda a boa prática.

Ao depor em um famoso julgamento de 2005 (Kitzmiller versus Escola Dover), Michael Behe afirmou que a ciência nunca seria capaz de encontrar uma resposta evolutiva para o sistema imunológico. Ele foi então apresentado a cinquenta e oito artigos de publicações “peer reviewed”, nove livros e vários capítulos de livros-texto versando sobre a evolução do sistema imunológico. A reação de Behe, claramente dogmática, foi afirmar que aquilo tudo ainda não era suficiente.

O caso Kitzmiller versus Escola Dover foi iniciado quando onze pais de alunos da escola Dover, na Pensilvânia, processaram os dirigentes por causa de uma declaração que deveria ser obrigatoriamente lida em sala cada vez que a teoria da evolução das espécies fosse ensinada. Essa declaração afirmava que a evolução das espécias era “apenas uma teoria” e oferecia o design inteligente, tal como exposto no livro Of pandas and people, como alternativa. O caso foi encerrado de maneira desfavorável aos proponentes do design inteligente, o qual foi considerado não científico e de origens claramente religiosas. Pela primeira vez na história dos EUA um tribunal de justiça considerava o design inteligente como uma forma de criacionismo e concluía que o ensino de ambos em escolas públicas norte-americanas era inconstitucional. O filme “Expelled: no intelligence allowed” cita esse caso como exemplo da “perseguição” sofrida pelos criacionistas.

É evidente que não se precisa recorrer a um tribunal para refutar o design inteligente, pois a maior fragilidade da teoria é evidente a qualquer um: deixar para Deus a responsabilidade da criação da complexidade irredutível. Alguns proponentes, tentando dar um caráter menos religioso à teoria, afirmam que não é necessário que o criador seja Deus, podendo ser também uma inteligência superior e incognoscível (um extraterrestre?). Mas daí vêm as inevitáveis perguntas: quem criou essa inteligência? Quem criou Deus?

Tais perguntas não podem ser respondidas de maneira científica e aos criacionistas resta o caminho da fé. Porém, se eles têm uma fé que lhes dá todas as respostas, por que precisam de uma teoria científica? E, se eles precisam de uma teoria científica para mostrar que Deus existe, por que precisam da fé? Finalmente, se os criacionistas não gostam da teoria da evolução, por que não criam uma teoria alternativa e verdadeiramente científica? Afinal, o que querem os criacionistas?